Diante de um cenário de pandemia global com a disseminação de Covid-19, as empresas têm adaptado suas estruturas para minimizar os impactos financeiros, e também têm buscado colaborar com a comunidade em que atuam. Elas buscam exercer sua função social, preconizada no artigo 116, parágrafo único, da Lei das S/As (6.404/76). Esse espírito de solidariedade gerou – e continua gerando – um movimento de doações. No entanto, a legislação brasileira não deixa claro o tratamento tributário dessas doações e incertezas permeiam o assunto. As doações são medidas reconhecidas e comemoradas pela sociedade. Mas o tratamento fiscal dessas boas ações traz consequências para as entidades.

Para fins da apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) das empresas tributadas pelo Lucro Real, os pagamentos realizados por mera liberalidade (ou seja, de acordo com o desejo das empresas) não entram no conceito de despesas necessárias à atividade da empresa. Por isso, não são dedutíveis para fins de apuração do Lucro Real e da base de cálculo da CSLL. As exceções são no caso em que as despesas estiverem expressamente admitidas pela legislação fiscal. O resultado disso tudo é que não há um incentivo para que as empresas possam utilizar esse mecanismo em um momento tão necessário como o atual.

As companhias de capital aberto estão requerendo que as doações realizadas para ajudar no combate ao novo coronavírus e ao seu tratamento possam ser consideradas como despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL – inclusive aquelas destinadas à União e aos governos estaduais ou municipais. Elas vieram ofício ao Ministério da Economia através da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).

Está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 1705/2020, que concede dedução do IRPJ devido a doações destinadas exclusivamente a ações de enfrentamento aos efeitos da pandemia do novo coronavírus feitas por empresas. No entanto, ainda não há data marcada para votação em plenário desta matéria, que, se aprovada, A proposta do senador Eduardo Girão (Podemos/CE) altera a legislação do Imposto de Renda (Lei 8.134, de 1990).

Por outro lado, o IPI já teve sua desoneração associada aos produtos que o governo entendeu serem críticos para o combate ao coronavírus, tais como álcool etílico 70%, desinfetantes, óculos de segurança, máscaras de proteção, entre outros. Procedimento idêntico foi adotado em relação ao Imposto de Importação (II), desonerando a cadeia de importação destes produtos, lembra o sócio da área tributária da PwC Brasil, Giancarlo Chiapinotto.

Embora já existam alguns mecanismos para a dedução desses valores, os especialistas sustentam que o cenário atual gerou a necessidade de doações mais expressivas, que podem extrapolar os limites de dedutibilidade e permanece o questionamento sobre o tratamento fiscal mais adequado. Segundo Chiapinotto, o mais razoável seja até mesmo avaliar a importância e real necessidade dessas doações no atual contexto, cabendo a discussão sobre a dedutibilidade integral dessa despesa.

Empresas pedem regras transitórias para deduzir doações de impostos

A plataforma Monitor das Doações, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, indica que 230 empresas já destinaram R$ 4,941 bilhões em ações de resposta à Covid-19. A maior parte partiu do sistema

financeiro, e setores de alimentação, bebidas e mineração, mas há pelo menos outros 30 segmentos colaborando.

São empresas de diferentes portes do setor privado que destinam valores, mercadorias e serviços à administração pública como forma de auxiliar a prestação de serviços, especialmente no setor da saúde.

Os recursos são convertidos rapidamente para a aquisição de equipamentos, construção de hospitais, doação de alimentos e materiais de higiene. No entanto, no caso da contabilidade dessas organizações, os valores se configuram apenas como saídas do caixa.

Para estimular que mais empresas possam contribuir neste momento crítico, uma alternativa seria a adoção de regras momentâneas que permitam deduzir as doações do IRPJ e CSLL. O argumento é que as legislações em vigor foram criadas em um contexto em que nem se imaginava que o mundo passaria por uma situação de calamidade pública como agora.

“Por isso, é muito difícil enquadrar doações para enfrentamento à Covid-19 na Lei nº 9.245/95”, resume o sócio da área tributária da PwC Brasil, Giancarlo Chiapinotto. Um exemplo, cita, vem de escolas municipais e estaduais de ensino fundamental, que são as mais carentes de recursos e não constam na lista de beneficiados com a dedutibilidade.

As doações dedutíveis, segundo o Regulamento do Imposto de Renda, são as efetuadas por pessoa jurídica tendo como beneficiária uma entidade civil, sem fins lucrativos, que preste serviços gratuitos em benefício de empregados da pessoa jurídica doadora e respectivos dependentes; ou comunidade em que atuem. No entanto, a dedutibilidade está limitada a até 2% do lucro operacional da pessoa jurídica doadora, antes de computadas as próprias doações.

Além disso, quando o donativo for em dinheiro, deve ser mediante crédito em conta-corrente de titularidade da entidade beneficiária e a pessoa jurídica doadora manterá em arquivo, à disposição da fiscalização, declaração, de acordo com modelo aprovado pela Receita Federal do Brasil. Certamente, deve existir o comprometimento em aplicar integralmente os recursos recebidos na realização de seus objetivos sociais.

No cenário de incertezas e diante de uma grave, especialistas defendem que certas regras tributárias devem ser reavaliadas e flexibilizadas, ainda que seja em caráter temporário. Segundo eles, é necessário apoio dos governos (federal, estadual e municipal) para que as doações possam ser estimuladas e cheguem a quem necessita, sem onerar ainda mais as entidades privadas interessadas em participar de atos solidários, que também sofrem consequências da pandemia em suas atividades econômicas.

A dedutibilidade e/ou não tributação desses itens gera outros reflexos como manutenção dos empregos e saúde de recursos em caixa para pagamento de salários, algo muito mais crucial para a nossa economia daqui para diante.

Empresas já devem contabilizar os donativos

Enquanto nenhuma definição sobre como poderão ser deduzidos os investimentos de empresas em ações de apoio à população e de combate ao novo coronavírus, os especialistas indicam que as organizações armazenem os comprovantes de doações.

O gerente da área tributária da PwC Brasil, Douglas Ferreira, recorda que toda a informação financeira e contábil precisa estar refletida, de alguma forma, na demonstração financeira das empresas. “Assim, entendemos que existe espaço, sim, para a apresentação das doações em âmbito de publicidade de suas contas, independente de serem estas consideradas dedutíveis. Cabe salientar que, via de regra, as empresas já informam as doações realizadas no âmbito da reconciliação do IRPJ/CSLL em notas explicativas”, destaca Ferreira.

O sócio da área tributária da PwC Brasil, Giancarlo Chiapinotto, complementa que, para controle das deduções e a fim de evitar inconsistências, todas as doações devem ser precedidas de recibos e/ou mecenatos, a exemplo das doações relacionadas à Lei Rouanet. “Sugerimos que as sociedades elaborem um controle dos recibos de doação (ou equivalente) para fins de comprovação e consistências das informações”.

Chiapinotto lembra que os relatórios de sustentabilidade das empresas são os locais onde as ações sociais são reportadas ao mercado. “As empresas normalmente divulgam ações desta natureza na seção de responsabilidade social de seus relatórios anuais, de seus balanços sociais e/ou de seus relatórios de sustentabilidade. A divulgação das doações nesses relatórios pode ser feita de forma voluntária”.

Covid não altera regras de isenção no Estado e em cidades gaúchas

As disposições relativas ao ICMS não passaram por modificação legislativa de forma a contemplar ações voltadas à pandemia. De forma geral, está em vigor, desde 1975, o Convênio ICM que concede isenção desse imposto estadual de saídas de mercadorias destinadas a doações a entidades governamentais, assistência a vítimas de calamidade pública que for declarada por ato expresso da autoridade competente. Também estão incluídas nesse rol entidades assistenciais reconhecidas de utilidade pública.

Os especialistas da área tributária da PwC Brasil destacam, ainda, que o destinatário, ou seja, quem recebe as doações, pode ter de pagar Imposto de Transmissão Causa-Mortis e Doações (ITCMD) – tanto de bens quanto de mercadorias, produtos e dinheiro. Somente os estados do Ceará, Minas Gerais e Rio de Janeiro isentaram desse imposto as doações efetuadas no âmbito de enfrentamento à pandemia de Covid-19.

No Rio Grande do Sul, estão isentas apenas as doações realizadas aos órgãos da administração pública direta e indireta, além de entidades sem fins lucrativos no caso de doações de roupas, de utensílios agrícolas de uso manual, bem como de móveis e aparelhos, de uso doméstico, e a faixa de isenção de valores em espécie é de até 4 UPF/RS, o que equivale a R$ 81,20.

As mesmas dúvidas permeiam as doações em serviços. Não há na Lei Complementar 116/2003 tratamento específico para essas situações no que tange à dispensa de pagamento do Imposto sobre Serviços (ISS), devendo os doadores observar a legislação trazida por cada um dos mais de 5,3 mil municípios do País.

Fonte: Jornal do Comércio



Conte com a Contplan, entre em contato agora.

Converse agora mesmo com um especialista e descubra como podemos otimizar seus processos.

Preencha seu contato preferido:

Solicitar contato

Selecione uma opção de contato:

Endereço

Av. Cel. Lucas de Oliveira, 2135 - Petrópolis - Porto Alegre - RS, 90.630-084